O que esperar do contencioso administrativo após o retorno do voto de qualidade no Brasil?

O que é o CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais?
O CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais é órgão colegiado administrativo vinculado ao Ministério da Economia, criado pela Lei 11.941/2009 que unificou os antigos Conselhos de Contribuintes e a chamada Câmara Superior de Recursos Fiscais. É formado por representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes para o julgamento de litígios em matéria tributária e aduaneira.

Com a aparente caráter paritário, os representantes da Fazenda Nacional são indicados por lista tríplice, sendo os representantes dos contribuintes escolhidos pelas Confederações Econômicas. De acordo com o artigo 49 da Lei 11.941/2009, que criou o CARF e alterou o Decreto 70.235/1972, presidência desses órgãos colegiados é exercida por representantes da Fazenda Nacional, que, no caso de empate no julgamento, terão a competência para o voto de desempate.

O acesso ao CARF, conforme a Lei 13.988/2020, regulamentada pela Portaria 340/2020, do Ministério da Economia, foi limitado aos litígios que envolvem valores de até 60 (sessenta) salários-mínimos. A Portaria 340/2020 foi revogada pela Portaria 20/2023 que acrescentou que não mais serão julgados pelo CARF as causas de baixa complexidade, sendo aquelas com valor de litígio superior a 60 (sessenta) salários mínimos e não superior a 1000 (mil) salários mínimos.

Sendo previsão com base nos princípios da racionalidade, economicidade e eficiência e com o objetivo de emprestar maior relevâncias ao CARF. Nesses casos, sendo litígios que serão julgados, em última instância, pelas câmaras recursais das Delegacias Regionais de Julgamento da Receita Federal do Brasil.

O CARF, o STF e a propositura de ação judicial após a fase administrativa
Não é demais ressaltar que o direito de acesso ao Judiciário está inserido no rol dos direitos e garantias fundamentais do artigo 5º. da Constituição da República Federativa do Brasil (5º., XXXV). Nesse sentido, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Assim, mesmo após o encerramento da fase administrativa, o contribuinte poderá prosseguir com a questão perante o Judiciário, caso não tenha ela sido favorável, total ou parcialmente. No caso de decisão favorável, evidentemente, não haverá interesse em prosseguir com a questão.

E a Fazenda Nacional, poderá prosseguir perante o Judiciário após o encerramento do contencioso administrativo com a questão que lhe tenha sido desfavorável?

Apesar de a Fazenda Nacional manifestar entendimento de que a propositura de ação judicial é possível, trata-se de possibilidade questionável, já que o CARF é órgão vinculado ao Ministério da Economia e administrado de acordo com Regimento Interno próprio. De modo que não parece existir interesse jurídico na hipótese.

O ponto em questão já foi debatido preliminar e superficialmente no STF, já tendo sido questionada a possibilidade. Com a manutenção do voto de qualidade a impossibilidade de acesso ao Judiciário pela Fazenda Pública se torna ainda mais evidente.

Com isso, além de casos de vício de vontade, coação, dolo, fraude, corrupção ou de decisão em sentido diverso de precedente judicial em sentido estrito, em especial nos casos em que verificado o efeito vinculante e a eficácia erga omnes como no caso das decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade, o acesso ao Judiciário não deve ser assegurado à Fazenda Nacional.

A discussão revela a problemática em torno dos julgamentos no âmbito do CARF. É certo que muitas das decisões administrativas divergem do entendimento dos tribunais brasileiros, sendo não raramente reformadas mediante ação judicial – nesse caso, mediante ações judiciais propostas pelos contribuintes, como já exposto.

Trata-se de problemática que foge ao escopo do presente artigo, mas sendo certo que a evidência do exposto apenas enfraquece o CARF enquanto órgão colegiado de revisão do lançamento fiscal e de controle dos atos administrativos. E, nesse sentido, em prejuízo da objetivada racionalidade, economicidade e eficiência.

O retorno do voto de qualidade no CARF
O chamado voto de qualidade é instrumento, previsto no Decreto 70.235/1972, na redação da Lei 11.941/2009, que impõe que, no caso de empate no julgamento, o presidente das turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais, das câmaras, das suas respectivas turmas e turmas especiais do CARF terá a competência para o voto de desempate (voto de qualidade). A presidência desses órgãos colegiados, como já observado, é exercida por representantes da Fazenda Nacional.

O voto de qualidade sempre foi questionado, por supostamente comprometer a paridade do órgão administrativo; sendo alegado pelos representantes da Fazenda Nacional que é exatamente pelo voto de qualidade que a paridade é mantida. Curiosamente e ainda segundo a Fazenda Nacional, o voto de qualidade não é comprometido por se tratar de prerrogativa de representante da Fazenda Nacional, porque o presidente é livre para votar em um ou em outro sentido.

Na forma da Lei 13.988/2020, resultado de conversão de Medida Provisória, o voto de qualidade foi extinto, sendo definido que, no caso de empate, a controvérsia seria resolvida favoravelmente ao contribuinte. Trata-se de questão que foi imediatamente levada ao STF que formou maioria em torno do tema para reconhecer que a extinção seria legítima e de acordo com a Constituição Federal.

Por meio da Medida Provisória 1160/2023, o voto de qualidade voltou a ser previsto no caso de desempate no CARF, sendo a previsão novamente questionada perante o STF. Após debates, a OAB – Ordem dos Advogados do Brasil e o Governo Federal concluíram acordo para a manutenção do voto de qualidade.

De acordo com esses entendimentos, caso o julgamento seja desfavorável ao contribuinte por meio de voto de qualidade, a multa e os juros serão cancelados desde que o pagamento seja realizado no prazo de até 90 (noventa) dias. Caso o contribuinte opte por debater a questão judicialmente, a multa permanecerá cancelada, porém os juros incidentes sobre o principal voltarão a ser cobrados.

É necessário ainda aguardar os próximos passos e o tratamento legislativo do tema, mas as opções começam a ser traçadas e é importante estar atento ao novo modelo.

O que esperar o contencioso administrativo no Brasil a partir de agora?
O cenário desejado é que, em casos de matérias já pacificadas, o lançamento fiscal seja devidamente realizado, refletindo o posicionamento firmado sobre determinado tema. Não é o que acontece, sendo necessário ao contribuinte apresentar impugnações, recursos ou mesmo questionar o lançamento judicialmente, já que não é rara a divergência do entendimento administrativo com o judicial.

Além dos custos que devem ser enfrentados pelo contribuinte na esfera administrativa, o que onera da mesma forma os cofres públicos, a opção pela via judicial impõe ônus à sociedade. Além disso, no caso de propositura de ação judicial, sendo necessário ainda ao contribuinte considerar a necessidade de apresentação de garantia para suspensão da exigibilidade e evitando dificuldades administrativas.

A oportunidade de questionar o lançamento do crédito perante a própria Receita Federal do Brasil e, em especial, perante o CARF deve ainda assim ser valorizada. Não são raros os casos em que o lançamento é revisto nessa fase, sendo em muitos casos viabilizado o pagamento pelo contribuinte e o ingresso de valores nos cofres públicos.

O voto de qualidade não parece contribuir com a mudança do cenário de litigância. No entanto é possível que o contribuinte possa fazer uso do novo modelo e para análise do interesse-benefício em se questionar o crédito judicialmente.

Em qualquer caso, sendo evidenciado que a questão pode ainda assim ser revista judicialmente, não sendo extraída essa oportunidade do contribuinte.

Apesar de ainda ser necessário aguardar a definição do tema e o adequado tratamento legislativo, trata-se de novo modelo que impõe característica específica ao contencioso administrativo no CARF, e que deve ser considerada pelo contribuinte com a finalidade de extrair as melhores oportunidades diante do novo modelo administrativo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Acesso em: 6 mar. 2023.

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BRASIL. Portaria MF 343, de 09 de junho de 2015 (Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Ministério da Economia, Brasília, 9 jun. 2015 (versão multivigente atualizada em 11 abr. 2022 até a Portaria ME 3125, de 7 de abr. 2022), p. 1. Disponível em: https://tinyurl.com/3cc7ranu. Acesso em: 6 mar. 2023.

STF, Tribunal Pleno, ADI 6399/DF, Min. Alexandre de Moraes.

STF, Tribunal Pleno, ADI 7347/DF, Min. Dias Toffoli.

 

Paulo Stipsky | sócio de Di Ciero Advogados