Qual a responsabilidade da companhia aérea pelo cancelamento em virtude de problemas meteorológicos?

Nos países do hemisfério norte, onde o inverno costuma ser mais rigoroso, é bastante comum o cancelamento de voos quando há nevascas que impactam na segurança de voo. No Brasil, em virtude da forte onda de frio que derrubou as temperaturas para índices muito baixos em todo o país, ocorreram cancelamentos de voos devido ao congelamento das asas dos aviões. Nestes casos, os passageiros precisam ser reacomodados em outros voos, mas qual a obrigação da companhia aérea com os passageiros em um cenário como este?

Ao adquirir uma passagem aérea, o transportador e o passageiro celebram um contrato de transporte aéreo. Conforme previsto pelo Código Civil, a obrigação do transportador é transportar o passageiro de um ponto ao outro. No transporte aéreo, a premissa principal é a segurança de voo. Ou seja, qualquer incidente que coloque em risco a operação irá culminar no cancelamento do voo. Evidentemente, a vida e a segurança dos passageiros e da tripulação são muito mais importantes do que a pontualidade do transporte.

Infelizmente, ainda há passageiros que se consideram prejudicados e buscam no judiciário indenizações por danos morais e materiais. Ressalte-se que esta é uma prática somente adotada no Brasil, pois nos Estados Unidos e na Europa é pacificado que, diante de uma situação de mau tempo, a companhia aérea deve apenas reacomodar os passageiros em voos posteriores, não tendo obrigações de fornecer acomodação em hotel ou alimentação.

Entretanto, a legislação brasileira prevê a obrigação da companhia aérea oferecer assistência material em caso de cancelamento de voo, nos termos previstos pelo artigo 27 da Resolução da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC:

Art. 27. A assistência material consiste em satisfazer as necessidades do passageiro e deverá ser oferecida gratuitamente pelo transportador, conforme o tempo de espera, ainda que os passageiros estejam a bordo da aeronave com portas abertas, nos seguintes termos:

I – superior a 1 (uma) hora: facilidades de comunicação;

II – superior a 2 (duas) horas: alimentação, de acordo com o horário, por meio do fornecimento de refeição ou de voucher individual; e

III – superior a 4 (quatro) horas: serviço de hospedagem, em caso de pernoite, e traslado de ida e volta.

Ora, se um fato externo, que foi o congelamento das asas de uma aeronave, causado por uma onda de frio sem precedentes, causou o cancelamento de um voo, como pode ser a companhia aérea responsabilizada e obrigada a indenizar os passageiros? A empresa sofreu muito mais prejuízos, pois não pôde operar seu voo, teve que reacomodar passageiros em voos posteriores e ainda oferecer vouchers para alimentação e hospedagem.

Nos países onde as temperaturas costumam chegar a graus negativos no inverno e a presença de neve é mais recorrente, as companhias aéreas realizam o degelo, que consiste em pulverizar um líquido sob pressão na aeronave, para evitar a formação de gelo em sua superfície. (fonte: https://www.emptyleg.com/pt/blog/posts/o-que-e-o-degelo-nos-avioes)

No Brasil, esta não é uma prática usual, pois, ainda que no Sul do país o inverno seja um pouco mais rigoroso, as temperaturas não costumam ser tão baixas a ponto de congelar as aeronaves e provocar cancelamento de voo.

Portanto, estamos diante de um evidente caso de força maior, no qual não se pode conceber a responsabilidade da empresa pelo ocorrido, tampouco considerar que ela tem qualquer obrigação de indenizar os passageiros por prejuízos sofridos.

Vale ressaltar que essa é mais uma questão controversa no judiciário brasileiro. Nos processos em que os passageiros buscam compensação por cancelamento de voo causados por nevasca, por exemplo, já é comum ver o afastamento da responsabilidade, por ser inequívoco episódio de força maior. Entretanto, ainda se considera que a companhia tem que prestar assistência material, o que vai totalmente contra as melhores práticas adotadas no setor nos demais países.

Sendo a aviação um setor que opera de maneira global, seria muito importante o Brasil estar mais em conformidade com o artigo 19 da Convenção de Montreal, para as relações de transporte aéreo internacional, e com o artigo 246 e seguintes do Código Brasileiro de Aeronáutica, para o transporte aéreo nacional. Isto é, o transportador aéreo só tem responsabilidade pelo cancelamento ou atraso de voo e, consequentemente, de assistir os passageiros, quando tiver dado causa ao fato. Em caso de problemas meteorológicos, portanto, não há razão para nenhuma outra obrigação além de reacomodar o passageiro para voos futuros e garantir a segurança no transporte aéreo.

Nicole Villa | Advogada de Di Ciero Advogados

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