Os principais riscos trabalhistas das Startups
A quantidade de startups no Brasil cresceu exponencialmente nos últimos anos. Atualmente elas já somam 13.745, sendo 11 unicórnios, ou seja, empresas com valor de mercado de US$ 1 bilhão. Ainda, de 2015 a 2020 o número de startups no Brasil aumentou mais de 200%. De acordo com estudos da Inside Venture Capital Brasil, apenas no mês de janeiro de 2021, no Brasil, as startups tiveram investimentos de cerca de US$ 630 milhões, 18% de todo o valor investido em 2020.
Acompanhando o notório crescimento, o Senado Federal aprovou em fevereiro de 2021, o Marco Legal das Startups (Projeto de Lei Complementar 146/19), o qual retornou à Câmara dos Deputados para nova votação, já que houve alterações no projeto original. Essa legislação busca estabelecer condições mais favoráveis à criação de startups no Brasil, inserindo o país na tendência mundial de apoio e incentivo ao desenvolvimento de startups de classe mundial, estimulando mais criatividade, inovação e competitividade na economia.
A recente legislação é importante para esse setor. Em relação aos aspectos trabalhistas, um dos principais pontos da nova legislação é reforçar a separação patrimonial dos investidores e das startups, trazendo maior segurança jurídica para que os investidores não respondam por toda e qualquer dívida da startup. E essa preocupação não é em vão e advém, fundamentalmente, do fato de que, no Brasil, grande parte das startups não prospera antes mesmo de completar 2 anos da sua criação e 75% delas não resistem a 13 anos de existência, segundo estudos da Fundação Dom Cabral.
É fato que a necessidade de uma escalada vertiginosa das startups, a falta de histórico de crédito e a inexistência de receitas recorrentes, principalmente, dificultam a obtenção de financiamentos bancários tradicionais, daí a grande relevância dos investidores nesse mercado (muitas vezes por meio de venture capital), interessados na elevada e rápida taxa de ROI (return over investment).
Mesmo com os esforços governamentais, é fato que a expansão das startups acarreta inúmeros pontos de atenção sob a perspectiva trabalhista, especialmente por se tratar de um novo modelo de negócio, que muitas vezes não se encaixa na legislação existente e no clássico conceito de “empresa”, além de gerido e investido por times com grande apetite para risco.
Podemos definir as startups como empresas em fase inicial de operação e que têm o objetivo de desenvolver serviços, produtos ou modelos de negócios inovadores e disruptivos, com rápido retorno financeiro e, muitas vezes, replicável. Esse desejo de rápida escalada é uma das principais diferenças entre as startups e as demais empresas pequenas ou recentes.
Neste aspecto, o primeiro risco trabalhista a ser avaliado é a forma de contratação de trabalhadores. A falta de receitas recorrentes pode representar grande dificuldade para a contratação tradicional e com base nos requisitos do vínculo de emprego da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), na medida em que envolve altíssimos custos, inclusive com benefícios previstos em normas coletivas e tributação (cerca de 65%).
Nesse cenário, a alternativa mais óbvia, é a contratação de trabalhadores por meio de pessoas jurídicas, a qual representa elevado risco, especialmente se verificada, na prática, a existência de subordinação dos prestadores de serviços, podendo representar altas condenações perante a Justiça do Trabalho pela existência de fraude. No entanto, a legislação brasileira oferece algumas outras formas de contratação de trabalhadores menos onerosas e que podem ser utilizadas pelas startups, tais como o contrato intermitente, a terceirização de atividades e a contratação de trabalhador autônomo, assim como a contratação de estagiário e jovem aprendiz.
Outro ponto a se considerar nesse nicho é a necessidade de contratação de mão de obra altamente qualificada e especializada, além da atração e retenção de talentos, aliadas aos poucos recursos financeiros, levam à necessidade de pensar em mecanismos criativos e o pagamento de remunerações diferenciadas.
Existem alguns mecanismos que podem ser utilizados por essas empresas, tais como os incentivos de longo prazo – contrato de vesting, opções fantasmas (phantom stock options), stock options (plano de opção de compra de ações). Esse último é o mais tradicional, sendo, concessão de opção ao trabalhador de adquirir ações da empresa a um valor pré-determinado e em um período estabelecido.
Entretanto, stock options é também mais um risco trabalhista que merece destaque. O tema, aliás, foi retirado do mencionado Projeto de Lei Complementar 146/19, o que poderia ter contribuído para trazer uma maior segurança jurídica. A discussão principal é acerca natureza desse pagamento e a consequente obrigação de considerá-lo (ou não) como parte da remuneração, o que pode elevar significativamente os custos, especialmente pela incidência de contribuições previdenciárias.
Outro risco trabalhista se refere à confidencialidade, especialmente quanto ao desafio de assegurar a proteção de informações que, se divulgadas, podem causar sérios prejuízos à startup e aos seus negócios. Aliás, as startups são empresas ainda mais expostas a esse risco, pois a inovação é, muitas vezes, propulsora do negócio e pode representar grande vantagem competitiva. Ademais, as startups são sempre incentivadas a expor suas ideias e estratégias a terceiros, muitas vezes investidores, anjos, incubadoras e aceleradoras. E essas informações devem ser protegidas antes, durante e depois de qualquer transação. Um instrumento bastante utilizado para essa finalidade é a assinatura do Termo de Confidencialidade ou NDA (Non-Disclosure Agreement), no qual as partes estabelecem quais informações devem ser mantidas em sigilo, a duração e a abrangência, assim como eventuais penalidades advindas do seu descumprimento.
Cumpre ainda destacar o risco inerente à propriedade intelectual, principalmente considerando o caráter inovador do produto ou modelo de negócio desenvolvido pela startup. Geralmente a preocupação das startups é com a proteção do software, das marcas e das patentes. Apesar da relevância da propriedade intelectual, a legislação brasileira pode não dar às startups (e outras empresas) uma proteção completa e segura, assim como, muitas vezes, traz procedimentos onerosos e excessivamente burocráticos. Dessa forma, uma proporção considerável das startups opta por se utilizar de mecanismos jurídicos, tais como o acordo de titularidade, políticas de privacidade e termos de uso, além previsões nos contratos de trabalho e prestação de serviços.
Por fim, diante da recente promulgação e vigência da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei nº 13.709/2018), apesar das startups serem empresas iniciantes e pequenas (na maioria das vezes), com número reduzido de clientes e trabalhadores, o desenvolvimento de negócios escaláveis é, geralmente, impulsionado por bases tecnológicas e acesso a grandes bases de dados. Aliás, o art. 46, §2º, da LGPD, é claro ao estabelecer que as medidas de segurança (técnicas ou administrativas) devem ser adotadas desde a fase de concepção do produto ou do serviço até a sua execução. Assim, é essencial a observância da nova legislação, mapeando os dados coletados e a sua destinação, criando instrumentos de transparência e soluções que promovem confiança na informação, estabelecendo políticas, práticas internas e programas de conscientização. E tudo isso não apenas para evitar a imposição de altas multas pelo Estado, mas também para evitar desgaste de imagem, trazer maior credibilidade e construir um diferencial competitivo.
Diante da complexidade e especificidade do assunto, recomenda-se que as startups sejam legalmente assistidas para dirimir riscos trabalhistas, previdenciários e tributários (e de outras naturezas), principalmente considerando o possível cenário de regulação pelo Poder Legislativo e os diferentes entendimentos do Poder Judiciário. Ser capaz de criar procedimentos de compliance e governança corporativa pode ser importante para demonstrar as boas práticas adotadas pela empresa e mitigar riscos, inclusive para criar destaque no momento de captação de investidores.
Rafael Inácio de Souza Neto | Advogado de Di Ciero Advogados
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