Os desafios do crédito e reembolso de bilhetes aéreos após a Lei 14.034/2020

Lembramos que a Lei nº 14.034, publicada em 5 de agosto de 2020, foi promulgada para tornar permanente a Medida Provisória nº 925 (MP 925), que, em plena pandemia do Covid-19, trouxe medidas especiais para o transporte aéreo, no que diz respeito ao crédito e ao reembolso de bilhetes aéreos.

As novas disposições da Lei nº 14.034/2020 sobre crédito e reembolso são inovadoras no Direito brasileiro, mas têm vigência por prazo determinado, pois são válidas para os bilhetes aéreos adquiridos no período compreendido entre 19/03/2020 e 31/12/2020.

Nesse breve período, as empresas aéreas terão imensos desafios operacionais, para dar cumprimento à nova Lei. Dentre os grandes desafios, há três pontos críticos, são eles:

Reembolso do bilhete acrescido de correção monetária pelo INPC

Conforme o art. 3º, “caput”, da Lei nº 14.034, no casos em que houve cancelamento do voo no período compreendido entre 19/03/2020 e 31/12/2020, o passageiro terá o direito de receber o reembolso integral do bilhete aéreo, no prazo de 12 meses, com correção monetária pelo INPC, mantida a assistência material (quando cabível).

Há no mínimo dois grandes problemas operacionais para as companhias aéreas:

(1) Pelo art. 29 da Resolução 400 da ANAC, o reembolso deve ser feito pelo mesmo canal de pagamento escolhido pelo passageiro. Quando o reembolso é feito pelo cartão de crédito, não haveria, em tese, como agregar valores ao sistema, pois a devolução de valores guarda os mesmos números do pagamento.

(2) Por outro lado, é preciso lembrar, ainda, que o INPC é um índice nacional, sendo que no Brasil operam diversas companhias aéreas internacionais, que jamais fizeram correção de valores pagos em outros países, e que teriam que viabilizar recursos para ter uma equipe no Brasil exclusivamente dedicada a isso.

Assim, acreditamos que, pelas dificuldades, muitas empresas aéreas não se valerão do benefício de reembolso dos bilhetes em 12 meses, optando pelo reembolso no prazo mínimo possível, apenas para não ter que corrigir os valores pelo INPC.

Interrupção das parcelas vincendas

Nos termos do art. 3º § 8º da Lei nº 14.034, nos casos de cancelamento do voo, quando solicitado pelo passageiro o reembolso do bilhete, o transportador deve comunicar o cartão de crédito (ou outros meios de pagamento) para que as parcelas vincendas (ainda não debitadas) sejam interrompidas, sem prejuízo da restituição dos valores pagos.

Esse artigo representa outro desafio operacional para as companhias aéreas, já que a interrupção do pagamento das parcelas vincendas está subordinadaà ação de terceiro, dependendo do meio de pagamento eleito pelo passageiro, que na maior parte dos casos será por cartão de crédito.

Com todo o respeito, tomar providências para a imediata interrupção da cobrança consiste em prestação desproporcional às companhias aéreas, uma vez que a maior parte das compras envolve terceiros como agentes de viagem e operadoras de cartão de crédito e, dessa forma, ainda que as empresas aéreas tomem as providências imediatas para a interrupção da cobrança, a norma, tal qual como foi escrita, deixa as companhias aéreas mais vulneráveis aos casos descumprimento da lei por culpa exclusiva de terceiros.

Reembolso das tarifas aeroportuárias em 7 dias, destacado do valor dos serviços aéreos

Pelo artigo art. 3º, § 9º, da Lei nº 14.034, no caso de cancelamento do voo, se a opção do passageiro for o reembolso do bilhete aéreo, as tarifas aeroportuárias deverão ser devolvidas em 7 dias, contados da solicitação do passageiro.

Outro imenso desafio operacional para as companhias aéreas é a segregação das taxas aeroportuárias e pagamento no curtíssimo prazo de 7 dias.

Mais uma vez, é preciso lembrar que há várias formas de aquisição de bilhetes aéreos, e que o art. 29 da Res. 400 determina que a devolução de valores deve ser feita pelo mesmo meio de pagamento eleito pelo passageiro, o que dificultaria da devolução de valores nesse curto prazo, por exemplo, quando o bilhete for adquirido por cartão de crédito.

Por outro lado, mundialmente falando, há um problema na conciliação de valores com as operadoras de cartão de crédito, que sempre devolverão exatamente o valor pago pelo passageiro, sendo impossível o destaque de valores.

Assim, mais uma vez, acredito que as companhias aéreas acabarão por, em seu próprio prejuízo, arcarem com o pagamento de valores aos passageiros, que talvez não retornem aos seus próprios cofres.

Pelo exposto, entendemos que ao procurar ajudar as companhias aéreas, algumas das medidas emergenciais adotadas pelo legislador brasileiro, acabaram por dificultar sua operação, criaram novos prejuízos e acabaram deixando tais empresas mais vulneráveis às falhas que podem ocorrer por culpa de terceiros (tais como agentes de viagem e operadores de cartão de crédito).

Valéria Curi de Aguiar e Silva Starling | Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Sócia de Di Ciero Advogados

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