Os acidentes de trabalho no home office
Diante do novo cenário pandêmico enfrentado pela COVID-19, muitas dúvidas surgiram acerca do trabalho remoto e, dentre elas, a responsabilidade do empregador no caso de acidentes laborais, considerando que 46% das empresas brasileiras adotaram o regime de trabalho à distância, total ou parcial, desde abril de 2020. Por essa conjectura, caso seja evidenciada a configuração de doença ocupacional ou a ocorrência de acidente típico, quais seriam as consequências para os trabalhadores e as empresas brasileiras?
A CLT já possuía previsão para o trabalho em domicílio desde 2011, preceituado no artigo 6º que “não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego”. Lado outro, restou devidamente positivado na legislação celetista com advento da Lei nº 13.467/2017, através do artigo 75-B da CLT, considerando-se como “a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como externo.”
Em uma primeira análise, aparentemente o sistema fora das dependências do empregador pode trazer benefícios aos trabalhadores. No entanto, é de igual relevância salientar que essas novas formas de trabalho à distância podem contribuir para a eclosão de riscos inéditos à saúde humana. Uma das grandes preocupações está justamente relacionada a necessidade de um ambiente em que as atividades sejam desenvolvidas sem acarretar danos e que não haja sobrecarga propícia a estimular o aparecimento de doenças.
Entrementes, é importante ressaltar que o acidente laboral é aquele que ocorre de forma inesperada, provocando uma lesão ou perturbação funcional, originando a morte, perda ou redução da capacidade laborativa, nos termos do artigo 19 da Lei 8.213/91. Com relação à doença profissional, em observância do artigo 20, incisos I e II, da referida lei previdenciária, esta ocorre em virtude da atividade desenvolvida diretamente com o trabalho.
Indubitavelmente, uma vez configurado o dano, o nexo causal, e a culpa do empregador, o funcionário poderá recorrer ao Poder Judiciário para buscar reparação dos danos sofridos, sejam eles de ordem moral ou material. A este respeito, é necessário o exame da causalidade antes da verificação da culpa ou do risco da atividade, porquanto poderá haver acidente onde se constata o nexo causal, mas não a culpa do empregador. Todavia, jamais haverá culpa patronal se não for constatado o liame causal do dano com o trabalho.
No acidente do trabalho típico, a presença causal fica bem evidente. A simples leitura da CAT permite a verificação do dia, hora, do local e dos detalhes da ocorrência. A descrição do evento facilita a percepção do vínculo de causalidade do infortúnio com exceção do contrato laboral. Por outro lado, a identificação do nexo causal nas doenças ocupacionais exige maior cuidado e pesquisa, pois nem sempre é fácil comprovar se a enfermidade apareceu ou não por causa do trabalho. Em muitas ocasiões serão necessários exames complementares para diagnósticos diferenciais, com recursos tecnológicos mais apurados, para formar o convencimento quanto à origem ou as razões do adoecimento.
Nesse prumo, as empresas devem ter cautela para poder propiciar um ambiente de serviço e equipamentos não prejudiciais. Ainda, têm elas o dever de orientar os empregados para que estes adotem as providências necessárias a fim de garantir um ecossistema laboral adequado. Frise-se, por oportuno, que ao prestador de serviço igualmente se aplicam os dispositivos contidos nos artigos 154 a 201 da CLT, onde se preceitua sobre segurança e medicina do trabalho.
Concomitantemente, inobstante a obrigação da empresa de zelar pela saúde e segurança, é válido lembrar que o trabalhador tem a obrigação de seguir corretamente as delimitações, devendo, inclusive, celebrar um termo de responsabilidade, nos termos do artigo 75-E da CLT. Se, efetivamente, restar comprovado na particularidade do caso que não seguiu as diretrizes e determinações, e caso sobrevenha a ocorrência do acidente laboral, estaremos diante de uma quebra do nexo causal, e, portanto, não haverá de se falar responsabilidade civil pela parte contrária.
Nesse diapasão, podemos citar o caso concreto julgado pela 15ª Turma do TRT da 2ª Região (SP), processo 1001964-26.2016.5.02.0242 que fixou tese onde a opção da empresa pelo direcionamento do empregado para a forma de home office, não a exime da obrigação de prezar por um ambiente seguro e sadio. No entanto, como destacado pelo relator, referida obrigação esbarra em alguns limites, uma vez que a empregadora não tem livre acesso à residência do funcionário, ou, via de regra, ao local onde os serviços serão prestados, de modo que não possui plenas condições de avaliar o desempenho do labor, todo o mobiliário e os equipamentos utilizados.
Por tal razão, não se pode exigir da reclamada uma fiscalização efetiva à residência do colaborador a fim de investigar acerca de suas condições reais, tampouco um acompanhamento cotidiano das atividades executadas. Para tanto, a justificativa da decisão trazida no acórdão pelo colegiado, foi de que a obrigação da empresa se limita ao cumprimento da obrigação primordial de instruir os empregados quanto à necessidade de observância das normas de segurança e higiene, a fim de precaver o surgimento de doenças e de acidentes, fornecer o mobiliário adequado, orientá-los quanto à postura adequada, pausas para descanso, entre outras.
Em suma, ante o teor da prova produzida no processo supracitado, o Tribunal paulista afastou a responsabilidade civil pela ocorrência da doença ocupacional equiparada ao acidente de trabalho alegada pelo funcionário, julgando, ao final, improcedente seu pedido.
Certamente o assunto objeto deste artigo continuará a ensejar inúmeros debates futuros, especialmente com relação a prevenção, fiscalização e registro das questões relativas à segurança e medicina do trabalho. Afinal, como podemos distinguir um acidente do cotidiano e o que seria um típico acidente do trabalho?
Rafael Inácio | Advogado de Di Ciero Advogados
Isabella Luz Mendonça | Estagiária de Di Ciero Advogados
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