“O tiro saiu pela culatra e o reembolso em 12 meses já não será uma opção”

A Medida Provisória n. 925, que dispunha sobre medidas emergenciais para a aviação civil brasileira em razão da pandemia da Covid-19, foi convertida na Lei 14.034 no último dia 5 de agosto de 2020.

O artigo 3º original, que possibilitou às aéreas o prazo de 12 meses para reembolso das passagens contratadas até 31 de dezembro de 2020, foi substancialmente modificado, com o objetivo, percebe-se, de esclarecer as regras do reembolso, do crédito e da remarcação, alinhando-as com a regulamentação já existente da ANAC.

Inicialmente, percebe-se a exclusão, no caput do art. 3º, do trecho que previa que o reembolso observaria “as regras do serviço contratado”. Ou seja, se em algum momento o legislador pretendeu permitir que o reembolso obedecesse às regras tarifárias contratadas, com a aplicação das penalidades nelas previstas, independentemente de quem houvesse sido a iniciativa para o cancelamento, esse objetivo ficou definitivamente para trás.

Ao caput do artigo 3º, foi também acrescida a obrigação ao transportador aéreo de atualizar o valor do reembolso pelo INPC. Sem negar o mérito que carrega em si na proteção do passageiro, a implementação desta medida será um desafio para as aéreas, se considerados os sistemas globais vigentes e os intermediários nesta cadeia de pagamentos. Implementá-la, representa negociação com fornecedores e investimentos em tecnologia difíceis neste cenário atual e para o curto período que resta.

Pode-se dizer que o tiro saiu pela culatra e o reembolso em 12 (doze) meses, possivelmente, já não será uma opção.

Nesta mesma linha de dificuldades vieram a obrigação da interrupção da cobrança de eventuais parcelas vincendas da compra do bilhete de passagem e o desmembramento das tarifas aeroportuárias arrecadadas pelas aéreas, para que sejam reembolsadas no prazo de 7 (sete) dias.

Seria incoerente dizer que as novas regras estabelecidas pela Lei 14.034 estão em desconformidade com a Resolução 400 da ANAC, porque esta é hierarquicamente inferior e é quem deve ser adaptada, mas fato é que importantes conceitos trazidos pela 400, um marco na regulação da aviação brasileira, foram desconsiderados.

A Lei 14.034 trouxe, no entanto, importantes ganhos para a indústria, que trazem segurança jurídica, conformidade com a Convenção de Montreal e que buscam incentivar a retomada do setor.

Merecem grande destaque as alterações promovidas ao Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/1986), no sentido de condicionar a indenização por dano extrapatrimonial, em decorrência de falha na execução do contrato de transporte, à demonstração da efetiva ocorrência do prejuízo e de sua extensão pelo passageiro ou pelo expedidor ou destinatário de carga (art. 251-A), além das excludentes de responsabilidade que foram inseridas ao artigo 256, em casos fortuitos ou de força maior.

A expectativa é que os julgadores estejam atentos às novas regras, à extensão das obrigações das empresas aéreas em temas de reembolso e, em especial, ao compromisso assumido pelo governo de acabar com a indústria das indenizações na aviação, da qual o Brasil se tornou o grande protagonista global.

Luisa Medina | Sócia Di Ciero Advogados