Não oferecer possibilidade de cancelamento de bilhete aéreo por meios eletrônicos configura prática abusiva?

As regras para reembolso de passagens aéreas estão previstas na Resolução 400 da ANAC, mais precisamente nos artigos 29 e seguintes. A norma estabelece o prazo de 7 dias para reembolso de bilhete aéreo, contados a partir da data da solicitação feita pelo passageiro, devendo ser observados os meios de pagamento utilizados na compra da passagem aérea. Aqui vale ressaltar que, como a esmagadora maioria dos bilhetes aéreos é paga com cartão de crédito, e a companhia aérea não possui ingerência sob os atos da administradora do cartão, a ANAC esclareceu, por meio de nota técnica, que o prazo de 7 dias é para que a empresa tome todas as medidas a seu alcance e solicite o reembolso à administradora do cartão de crédito utilizado pelo passageiro.

Além disso, o reembolso será integral nos casos de atraso, cancelamento de voo, overbooking ou interrupção de serviço, caso a solicitação seja feita no aeroporto de origem, de escala ou conexão. Deverá ser proporcional ao trecho não utilizado, se o deslocamento já realizado aproveitar ao passageiro.

Há ainda a possibilidade de reembolso por crédito (também chamado de vouchers) para a aquisição de passagem aérea, mediante concordância do passageiro.

Não há qualquer previsão de quais canais devem ser disponibilizados para que o passageiro possa solicitar o reembolso. Há apenas a previsão de que deve ser acessível e os contatos amplamente divulgados.

Ainda assim, o STJ, ao analisar e julgar o Recurso Especial nº 1.966.032, o que foi feito pela Quarta Turma, entendeu que, quando a compra das passagens tiver sido feita pela internet, a empresa também deve oferecer um canal eletrônico para solicitação de reembolso, sendo excessivamente oneroso ao consumidor a exigência de contato telefônico com a central de atendimento da empresa para tanto. Além disso, tal conduta foi “considerada como abusiva pelo Parquet estadual, nos termos do art. 39, inciso V, do CDC, na medida em que dificultava sobremaneira o cancelamento e o reembolso dos pontos utilizados.”

Neste sentido, é importante ressaltar, uma vez mais, que é comum que o judiciário brasileiro, ao apreciar questões nas quais se discutam os direitos do consumidor, tenha uma tendência de entender pela sua hipossuficiência e lhe conceder mais direitos do que a legislação e regulamentação já concede.

No caso em tela, a empresa aérea ré não descumpriu nenhuma lei, nenhuma regra estabelecida pela ANAC, ou de qualquer outro órgão de proteção ao consumidor. Isso porque disponibiliza aos passageiros canais amplamente divulgados e de fácil entendimento para que consigam se comunicar com a empresa e resolver quaisquer questões atinentes ao contrato de transporte aéreo celebrado com a empresa.

O fato de a empresa efetuar a venda de passagens aéreas pela internet e estabelecer que as solicitações de cancelamento, remarcação ou reembolso sejam feitas por telefone, ou presencialmente, está longe de se configurar como prática abusiva, pois não torna o serviço inacessível ao passageiro, tampouco lesa qualquer lei ou regulamento aplicável à relação jurídica em discussão, uma vez que não há previsão legal no sentido da decisão proferida.

Desta forma, ainda que seja respeitável a análise feita no caso em discussão, a conclusão onera excessivamente a empresa, determinando que sejam tomadas medidas com impactos em sua operação e, consequentemente, que gerarão gastos para um setor que foi tão afetado pela pandemia e começa, após quase 3 anos, a se recuperar de uma das maiores crises da história.

 

Nicole Villa | Advogada de Di Ciero Advogados

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