Divergência sobre aplicação de súmula do CARF pode levar a nova jurisprudência sobre prescrição intercorrente em processos administrativos

A Lei nº 9.873/99, que disciplina a prescrição no âmbito da Administração Pública Federal, prevê, em seu parágrafo 1º do art. 1º da Lei nº 9.873/99, que incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho.

Por força do artigo 5º da mesma Lei, a aplicação do referido diploma legal se restringe tão somente aos processos administrativos punitivos, ficando de fora de sua disciplina os processos de natureza funcional e tributária.

Com base em tal previsão, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) aprovou, ainda no ano de 2009, o enunciado da Súmula nº 11, segundo o qual “não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal”, e, desde então, vem aplicando de forma indiscriminada tal enunciado aos processos fiscais, inclusive aqueles não possuem natureza tributária.

É o que demonstram, por exemplo, os inúmeros julgamentos de processos aduaneiros que discutem a aplicação de multas essencialmente punitivas, decorrentes do poder de polícia da Administração Pública, em que a referida Súmula é comumente utilizada como óbice ao reconhecimento da incidência do instituto.

Isso porque, diante do artigo 42, VI, do Regimento Interno do Órgão, que prevê a perda de mandato para aquele que deixar de aplicar a Súmula, os Conselheiros que compõem as Turmas de Julgamento têm deixado de observar a tese jurídica que culminou no enunciado, bem como os acórdãos paradigmas que lhe deram origem, atendo-se tão somente à expressão “processo administrativo fiscal”.

Uma simples análise dos precedentes que serviram de fundamento da Súmula leva à conclusão de que todos os processos paradigmas tratavam exclusivamente de matéria tributária,tendo o Tribunal Administrativo utilizado em sua Súmula 11, inadvertidamente, a expressão “processo administrativo fiscal” como sinônimo de “processo administrativo tributário”.

Faz-se importante destacar que o Código de Processo Civil constitui a principal fonte de direito processual no ordenamento jurídico brasileiro, prevendo, em seu artigo 15, a aplicação supletiva e subsidiária de suas disposições a outros processos que não apenas o processo civil, inclusive o processo administrativo.

Ora, o artigo 489 do CPC/2015 traz importantes regras acerca da prolação de decisões, sentenças e acórdãos, de observância obrigatória, portanto, pelos órgãos de julgamento administrativos: em seu caput, o referido dispositivo elenca os elementos essenciais de validade da decisão, sem os quais a decisão é considerada nula. Dentre eles, encontra-se a fundamentação (inciso II). Por sua vez, o parágrafo primeiro, em seu inciso V, dispõe que não se considera fundamentada a decisão que se limita a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos.

É necessário, portanto, que as razões de decidir dos acórdãos do CARF apresentem uma correlação direta com a tese jurídica que sustenta a Súmula, devendo tal relação estar demonstrada na fundamentação da decisão, de modo que o enunciado possa ser aplicado de forma válida.

Do contrário, faz-se necessáriaa aplicação da técnica do distinguishing, em que, diante do cotejo entre o caso paradigma e o caso em discussão, é traçada uma distinção entre eles, o que permite à Corte deixar de aplicar o efeito vinculante do paradigma, ou, no caso, da Súmula. O próprio Manual do Conselheiro do CARF admite a adoção de tal método ao dispor que “quando a matéria tangenciar súmula do CARF e o julgador não aplicá-la por entender que os fatos de direito não se subsumem a ela, é preciso deixar expresso no voto tal entendimento”.

Neste sentido, destacamos recente julgado, ocorrido no dia 25/03/2021, em que alguns Conselheiros que compunham a 1ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção do CARF aplicaram o distinguishing para reconhecer a ocorrência da prescrição intercorrente em processo administrativo de matéria aduaneira, que não guardava qualquer relação com a fiscalização ou apuração de tributo.

Trata-se de importante evento que pode representar o início de uma mudança de posicionamento do Tribunal Administrativo quanto à aplicação da Súmula nº 11, que leve à construção de uma nova jurisprudência acerca do tema, mais técnica e em consonância especialmente com o Código de Processo Civil/2015.

Simone Di Ciero | sócia de Di Ciero Advogados

Karen Eppinghaus | advogada de Di Ciero Advogados

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