Aumento de impostos à vista para companhias aéreas que operam voos domésticos
O mercado aéreo aguarda a legislação complementar às novas regras aprovadas pela Reforma Tributária. A expectativa, no entanto, é de que o aumento da carga tributária para o setor seja certa.
Neste artigo, Douglas S. Ayres Domingues, da equipe de Tributário de Di Ciero Advogados, faz um panorama do cenário.
É praticamente certo que a reforma aprovada aumentará a carga tributária do setor de serviços, dentre eles está o setor aéreo. Especificamente em relação às companhias aéreas que operam voos domésticos de cargas e passageiros, o impacto pode ser maior.
Separamos alguns pontos de atenção para abordar nessa pequena reflexão:
I) Possível incidência do IBS (substituto do ICMS e do ISS) sobre o transporte aéreo de passageiros;
II) Possível oneração pelo imposto seletivo, se instituído com a finalidade de aumentar a carga tributária de atividades consideradas danosas ao meio ambiente;
III) Possível oneração decorrente da aplicação do Princípio da Defesa ao Meio Ambiente com a finalidade de aumentar a carga tributária de atividades consideradas danosas;
IV) A trava à concessão de incentivos fiscais pode impactar e dificultar a concessão de benefícios como a redução da base de cálculo do tributo na aquisição do querosene de aviação (QAV);
V) Possível aumento da tributação global incidente sobre os serviços de transporte aéreo.
Hoje, além dos tributos federais, apenas o ICMS incide sobre o transporte aéreo regular. Ainda assim, essa incidência se limita ao transporte interestadual e intermunicipal de cargas, ou seja, não há a incidência do referido tributo sobre qualquer modalidade do transporte aéreo de passageiros e nem mesmo sobre o transporte internacional de cargas realizado por empresas brasileiras.
A reforma, por sua vez, promoverá a substituição do ICMS e do ISS para o IBS, que promete ter um fato gerador abrangente e que muito provavelmente vai suprir a lacuna legislativa existente hoje e passará a alcançar o transporte aéreo de passageiros.
É certo que o texto da reforma prevê a possibilidade de o legislador complementar instituir regime específico de tributação do IBS aplicável à aviação regional, mas a pergunta que fica a ser respondida pelo legislador complementar é se esse regime específico será suficiente para manter as condições atuais, e se a expressão “aviação regional” se aplicará ao transporte doméstico em geral.
Além do possível impacto relativo ao IBS, a instituição do imposto seletivo como instrumento para desestimular a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais ao meio ambiente, bem como a normatização do princípio da defesa ao meio ambiente no Sistema Tributário Nacional sem dúvida devem ligar o alerta de um setor que é frequentemente cobrado a diminuir os impactos ocasionados ao meio ambiente.
A questão é que, ao mesmo tempo em que se cobra uma ação ostensiva das companhias aéreas em prol do meio ambiente, há uma pressão popular pela redução dos preços das passagens aéreas e, de forma antagônica, a utilização de tributos fundamentados na proteção ao meio ambiente, mas sem qualquer estudo apontando de forma assertiva qual seria o impacto e qual seria a tributação justa.
Cite-se, por exemplo, a Taxa Ambiental instituída pelo Município de Guarulhos em 2022, pelo simples fato de haver pousos e decolagens em seu território, fundamentada em uma suposta proteção ao meio ambiente, mas sem qualquer estudo do efetivo impacto. Felizmente, antes de sua entrada em vigor, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou o tributo inconstitucional.
Ora, sem a existência de um dispositivo prevendo de forma expressa que o legislador e o intérprete tributário deveriam se preocupar com a proteção ao meio ambiente já havia tributos sendo utilizados sob falsa roupagem para aumentar a arrecadação, imagine com a introdução dos novos dispositivos trazidos pela reforma.
Como agravante, o Senado Federal havia incluído no texto da reforma o inciso VII no art. 150 da CRFB/88 vedando que a União, os Estados, o DF e os Municípios editassem normas infra legais sobre matéria tributária sem dar ampla publicidade aos estudos e aos pareceres que as embasaram.
A medida era importante para fins de transparência e em um cenário de criação do imposto seletivo e do princípio da defesa do meio ambiente, que tendem a aumentar a carga tributária de bens e serviços danosos à saúde e ao meio ambiente.
Por sua vez, a Câmara dos Deputados retirou do texto tal previsão sob o seguinte pretexto:
“O inciso VII e os §§ 8º e 9º do art. 150 da CF tornam demasiadamente rígido e burocrático o processo de alteração das normas infra legais tributárias. Além de dificultar sobremaneira as iniciativas dos governos federal, estaduais e municipais, já que nem toda alteração é precedida de estudo ou parecer, esses dispositivos praticamente eliminam a possibilidade de os parlamentos apresentarem projetos de lei em matéria tributária, pela dificuldade de obterem dados e, muitas vezes, de possuírem corpo técnico especializado para a elaboração desses pareceres e estudos.” (trecho extraído do parecer de plenário à proposta de emenda à constituição nº 45-a, de 2019, apensada à PEC nº 293, de 2004).
Ou seja, poderemos ter a instituição e o aumento de tributos sob o pretexto da proteção ao meio ambiente e à saúde, mas sem estudos que os embasem “pela dificuldade de obterem dados e, muitas vezes, de possuírem corpo técnico especializado para a elaboração desses pareceres e estudos”.
Apesar das ponderações feitas sobre o imposto seletivo e o princípio da defesa ao meio ambiente, é necessário salientar que não se questiona a importância da proteção do bem jurídico a que se pretende preservar, porém é nítido que a utilização indevida de tais dispositivos pode gerar o aumento injusto da carga tributária das companhias aéreas sob o falso pretexto já tratado.
Acerca da trava à concessão de benefícios fiscais trazida pela EC 132/2023, fica o receio de que importantes benefícios instituídos pelo CONFAZ sejam extintos, tais como a redução da base de cálculo na aquisição do querosene de aviação permitida pelo Convênio ICMS 188/17, de modo a, se não ratificados mediante nova instituição pelo legislador complementar, impactar no custo da operação.
Sobre o possível aumento da tributação global aplicável às companhias aéreas, não são necessárias maiores delongas diante dos cenários apresentados.
Douglas Ayres Domingues | Advogado de Di Ciero Advogados