A recusa do empregado em tomar vacina e a possibilidade de dispensa por justa causa
Nesta semana o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) validou a dispensa por justa causa de uma auxiliar de limpeza que atuava em hospital infantil e que se recusou a ser imunizada contra a COVID-19. Ao negar o recurso da trabalhadora, a 13ª Turma confirmou por unanimidade a decisão de 1º grau, que considerou a recusa à imunização uma falta grave da trabalhadora. A falta grave do empregado resulta no rompimento unilateral do contrato por parte do empregador.
No acórdão, o desembargador-relator destacou que a conduta da empregada frente à gravidade e amplitude da pandemia colocaria em risco a vida de todos os frequentadores do hospital. Ao decidir, ressaltou ainda a gratuidade da vacina, a chancela do protocolo de imunização pela Organização Mundial de Saúde e alertou que, nesse caso, deve prevalecer o interesse coletivo frente ao pessoal da empregada.
Entretanto, será que a referida decisão está de acordo com a legislação vigente?
Inicialmente, para tratarmos do referido tema, é importante destacarmos o conceito de justa causa. Com efeito, o Direito brasileiro conceitua a justa causa como: o motivo relevante, previsto legalmente, que autoriza a resolução do contrato de trabalho por culpa do sujeito comitente da infração. Trata-se, portanto, de uma conduta tipificada em lei, que autoriza a resolução do contrato de trabalho por culpa do trabalhador.
Isto posto, é indubitável o conhecimento público e notório de que o número de mortes no Brasil já ultrapassou a marca de 547 mil (dados retirados em 23/07/2021), assim como já infectou mais de 19,5 milhões de pessoas, de modo que se aparenta claro e incontroverso o dever de todos em colaborar para que seja evitado o contágio do vírus, bem como a sua propagação.
Dito isso, cumpre frisar que, no dia 06/02/2020, foi editada a Lei nº 13.979, a qual dispõe sobre as medidas para enfrentamento de emergência da saúde pública, tendo como objetivo criar uma política de combate a pandemia e proteção os interesses da coletividade.
A referida norma, preceitua em seu artigo 3º, inciso III, alínea “d”, que uma das medidas autorizadas para o enfrentamento seria, propriamente, a vacinação. Por sua vez, o parágrafo 1º, estabelece que as medidas previstas no artigo, somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde, e deverão ser limitadas no tempo e no espaço, ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública.
Neste sentido, pautada na análise ao referido dispositivo legal, verifica-se a possibilidade de exigência compulsória para a realização de exames médicos, coleta de amostras clínicas, testes laboratoriais, vacinação e outras medidas profiláticas ou tratamentos médicos específicos.
Não obstante, a partir do quadro apresentado, surge o debate se tais medidas seriam capazes de afrontar própria vida privada, a intimidade, as convicções individuais, filosóficas e religiosas do trabalhador.
Ressalta-se, por oportuno, que o Supremo Tribunal Federal já foi provocado para emitir um juízo de valor a respeito da vacinação compulsória para o combate da COVID-19, qual seja, se seria ou não constitucional esta exigência. O entendimento da Suprema Corte foi no sentido de que, inobstante a Constituição assegure a proteção aos direitos dos trabalhadores, dentre eles as suas concepções morais, espirituais e pessoais, o interesse coletivo supera as predileções individuais, ainda mais em se tratando de uma medida que tem o intuito de erradicar a doença.
Lado outro, o Ministério Público do Trabalho também se manifestou quanto a temática, de sorte que, em janeiro de 2021, fora publicado um guia técnico interno sobre a vacinação da COVID-19, disciplinando no item II sobre a compulsoriedade da vacinação.
O referido guia, após citar a Lei nº 6.259/75, a qual dispõe sobre a organização das ações de vigilância epidemiológica e o programa nacional de imunização, bem como a Lei nº 13.979/2020, delibera que diante desse cenário legal e jurisprudencial, é de se concluir que a vacinação, conquanto seja um direito subjetivo dos cidadãos, é também um dever, tendo em vista o caráter transindividual desse direito e as interrelações que os cidadãos desenvolvem na vida em sociedade.
Neste diapasão, o direito-dever à vacinação, como uma das prestações compreendidas no direito à saúde, tem, do mesmo modo, eficácias vertical e horizontal, obrigando tanto o Poder Público a realizar as ações para efetivá-lo, quanto os particulares a providenciarem medidas para a sua concretização, e ainda, submeterem-se ao comando compulsório de vacinação.
Note-se que, ao falarmos da recusa do trabalhador em tomar a vacina, e, portanto, apta a ensejar a justa causa, relaciona-se àquela feita de forma injustificada. No entanto, imaginemos a situação em que o trabalhador tenha problemas de saúde que poderão ser agravados ou causar riscos à vida após a aplicação da vacina. Nessa hipótese, é pertinente e justificável a recusa, via de consequência, não haveria que se falar de dispensa por justa causa.
Frise-se, no mais, que a Consolidação das Leis do Trabalho preceitua nos termos do artigo 158, inciso II, que cabe ao empregado colaborar para seja efetivamente aplicada as normas de segurança e medicina do trabalho. De igual modo, cabe as empresas cumpri-las, devendo adotar as medidas cabíveis, incluindo a exigência do uso de máscaras de proteção, disponibilização de álcool em gel e campanhas educativas, competindo a todos empregar esforços para a proteção do meio ambiente laboral. Ademais, a Convenção n. 155 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil, aborda justamente nos artigos 16 a 19 tal questão.
Portanto, dentre outras medidas de proteção e de saúde pública, a vacinação se mostra como um dos meios seguros e eficazes de controle a pandemia. Por tal razão, vale dizer que neste momento de pandemia deve-se agir com razoabilidade para que a vida seja protegida, e, nesse sentido, a priorização da proteção da saúde e da coletividade prevalece ao direito individual de cada um dos trabalhadores.
Isabella Luz Mendonça | Advogada de Di Ciero Advogados
Rafael Inácio de Souza Neto | Advogado de Di Ciero Advogados
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